Entrevista com participantes do Projeto de Extensão "Ressignificar e Preservar"
O projeto de Extensão da UEL
“Ressignificar para Preservar o Meio Ambiente: Vivencias com Sons, Imagens e
Cores, com a Comunidade do Jardim União da Vitória”, tem como objetivo mostrar
aos moradores da comunidade a importância da preservação do meio ambiente e
estimular suas potencialidades e resgatar sua autoestima.
O
projeto que foi concluído no mês de junho, promovia suas suas atividades no
antigo Centro de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente (CAIC), atual
Escola Municipal Zumbi dos Palmares, na comunidade do Jardim União da Vitória,
em Londrina. A coordenação foi da Professora Cleusa Erilene dos Santos Cacione.
Recentemente, o Jardim União da
Vitória viu a implementação de uma UPS. Assim, o projeto auxiliou na
reestruturação da vida comunitária, e o cuidado com o meio-ambiente é uma
dessas questões essenciais. Mas, além disso, atuações em outras áreas como
artes visuais e músicas possuem o objetivo de resgatar e dar novo significado a
vida de seus habitantes.
Em entrevista, Andressa Tatielle
Campos e Fernando Santiago de Oliveira, dois participantes do projeto de
extensão, contaram suas experiências e realizações.
Andressa é formada em Educação
Artística. E viu no projeto uma oportunidade de participar de um projeto de
extensão ligado a sua área. Ela falou sobre
seu trabalho e expectativas.
Como você ficou sabendo do projeto e o que levou
você a participar?
Andressa: Bom, eu passei por uma
seleção. Os professores do departamento de artes me indicaram o projeto e a
principio eu estava recém formada, e estava ainda um pouco perdida e eu nunca
tinha participado de um projeto de extensão, acho que faltou isso no meu
currículo na graduação, e é por isso. Acho que foi mais pela curiosidade também
de participar, gostei da proposta de trabalhar com arte, meio ambiente e
música. Nunca tinha participado assim de um projeto interdisciplinar.
Quais foram suas expectativas e desafios com o projeto?
Andressa: Tinha algumas coisas que eu
achei que seria totalmente diferente, enquanto as ações, porque a princípio
seria mais a comunidade, não uma escola. Mas foi muito bacana participar porque
eu não tive contato, na minha formação, com essa faixa etária que a gente
trabalho de alunos. Então, foi bacana assim doar um pouco de conteúdo que eu já
tinha em outros trabalhos que fiz, como pintura mural, mais ativamente com os
alunos.
O
que você vai levar de experiência desse projeto tanto profissionalmente quanto pessoalmente?
Andressa: Nossa, foi muita coisa! Acho
que principalmente trabalhar com os alunos a questão do próprio ambiente
escolar. Os alunos não sabiam o que era pichação. Eles achavam que pichação era
só coisas feitas com spray. Teve uma vez que a gente fez uma pintura nos bancos
e eles foram lá e picharam com “errorex”. E falaram assim: “Não! A gente só
escreveu nossos nomes, aquilo lá não é pichação”. “Não, aquilo lá é
pichação...”. Aí tivemos que explicar e, foi, assim, um trabalho intenso. Pena
que teve duração de 1 ano. E acho que foi mais esse contato com os alunos que
foi muito bacana. E os professores também foram muito receptivos. Foi essa
vivencia que eu não tive durante a graduação que me motivou mais.
Você acha que mudou a visão das crianças lá?
Andressa: Mudou.
Mudou sim. A gente trabalhou de dois modos com oficinas dentro de sala de aula
e com os alunos que queriam trabalhar de fato. E acho que teve mudança sim,
tanto que eles não têm aula de artes na escola e os professores trabalham
algumas linguagens da arte como desenho e pintura, como braços de outras
disciplinas pra fazer desenho de mapa na aula de geografia... Então, acho que
trabalhar durante esse tempo com arte na escola trouxe também a possibilidade
dos professores trabalharem essas formas de artes e de linguagens de artes
dentro da sala de aula. Porque como a gente trabalhou muito com doação de
material, então, também é possível conseguir complementação de recurso.
Você acredita
que foi benéfico o projeto?
Andressa: Muito! Nossa, não foi radical,
mas mudou muito o ambiente da escola, né. Na entrada da escola tinha uma
guarita que estava pichada e tinha sido queimada... Então, é um ambiente muito
escuro. As crianças já chegavam na escola com aquela visão depredada. Apesar de
não ter mudado totalmente a escola, e não mudou 100% o comportamento dos
alunos, mas mostrou a possibilidade de mudanças lá dentro. O terreno da escola
é muito grande, tem muito espaço ocioso lá dentro, precisando de cuidados e por
ser muito grande, a manutenção fica complicado, não tem recurso para fazer a
manutenção adequada. Acho que mudou muito na questão visual, pelo menos na área
de artes. Nosso trabalho foi muito visual.
Fernando é formado em licenciatura em música desde 2012, e
viu no projeto a oportunidade de colocar seus conhecimentos em prática.
Fernando diz que como professor, não apenas ensinou, mas principalmente,
aprendeu.
Qual era o objetivo do projeto?
Fernando: O
governo do estado recentemente implantou uma UPS lá (União da Vitória). O
Estado espera que consiga levar outros bens e serviços para a região que não só
a segurança pública. Então, como a segurança está instaurada segundo o
planejamento da UPS, a universidade propôs um projeto, para entrar lá
autonomamente. Entrar na comunidade, sentir o que ela precisa e dentro de
nossas áreas propor questões de formação.Como é um projeto de extensão, então a
idéia, é justamente produzir multiplicadores, gerar pessoas que vão dar
continuidade e evoluir esse trabalho.
Como você conheceu o projeto e
começou a se envolver com ele?
Fernando: Esse
projeto eu conheci através do site da PROEX e de contatos que eu tinha. Eu
tinha terminado de acabar a graduação em 2012, fiz a inscrição para o processo
seletivo de aluno egresso e uma das áreas era para música, na época existiam
duas vagas para alunos formados em artes visuais e uma para música, eu pleiteei
essa vaga e iniciei esse projeto em julho do ano passado.
Como é o processo de achar pessoas
com potencial?
Fernando: Esse é
um processo complexo, porque ao entrar na comunidade, que tem cerca de 10 mil
habitantes, você vê que é uma comunidade que tem pouco acesso a bens e serviços
públicos, como posto de saúde... Você tem um conjunto de bairros com nomes até
diferentes, e os bairros vão se auxiliando nisso. Então um bairro periférico
tem um posto de saúde, se o outro está problemático... É preciso fazer um grande
trabalho de pesquisa, entrar em campo, batendo na casa das pessoas, perguntando
quem são os líderes e ver quem a própria comunidade destacava como um possível
auxiliador nosso.
Com isso conseguimos auxilio de
uma associação de moradores do bairro, de pessoas envolvidas com comunicação,
saúde e educação dentro da própria comunidade. O processo foi um processo
bastante difícil, no final ele gerou um fruto ótimo, hoje temos verdadeiros
amigos dentro da comunidade.
Vocês conseguiram cumprir todas as
propostas que fizeram nesse projeto?
Fernando: Conseguimos.
A idéia inicial é sempre muito ampla, você entra no lugar e começa a fazer os
primeiros contatos e levanta muitas idéias, muitas hipóteses, porque a
comunidade é muito carente. Você vê dentro da sua área de conhecimento, a minha
por exemplo é música, que tem muita coisa possível de ser feita, dentro de
escolas, dentro da comunidade de uma forma geral. Com isso as idéias formam uma
tempestade dentro da sua cabeça, só que com o tempo você precisa aliar essas
idéias com possibilidades de execução. Essas possibilidades vão desde mão de
obra até material. Eu penso que daquilo tudo que prometemos fazer, até porque
fomos um pouco cautelosos nisso, penso
que tudo que prometemos de fato nós conseguimos fazer.
Conseguir manter essas promessas e
cumpri-las foi o maior desafio do projeto?
Fernando: Eu
penso que o maior desafio do projeto, por ser extensão, é retirar esses
projetos e subprojetos de dentro da comunidade. Você ter idéias prontas e levar
é muito fácil. Às vezes quando você entra lá, você percebe o que você tem
possibilidade de fazer, do que conversa com as pessoas... Muitas vezes as
pessoas precisam de coisas mais simples do que aquilo que você quer levar. A
gente procurou trabalhar nesse sentido.
Sobre o envolvimento da comunidade e a Oficina de Projetos
Fernando: É a
comunidade que faz. O que a Universidade fez foi levar idéias, levar pessoas
que possuem condições técnicas de colocar essas idéias em prática de uma forma
mais viável e fazer com que essas idéias aconteçam pela mão da comunidade.
Um forte exemplo disso é que nós
fizemos uma oficina de elaboração de projetos, nós percebemos dentro da
comunidade que existiam muitos lideres e eles são muitíssimos organizados nesse
sentido. Você tem um líder e o seu vice especifico da saúde, cultura e outras
áreas.. Então nós percebemos que algo importante que essa população poderia
receber é essa oficina de projetos. As pessoas aprenderem a desenvolver essas
habilidades, que eles já possuíam, de expor a situação, expor o que eles querem
e tentar mostrar da melhor maneira possível o que eles pensam que é necessário
para essa idéia acontecer.
No final nós entregamos para os
participantes dessa oficina certificados. E junto dos certificados nós
entregamos esses projetos prontos, projetos feitos por eles. Um dos projetos
que está em andamento na comunidade e que surgiu de lá, mas foi trabalhado
dentro dessa oficina de projetos, é o projeto da Feira Livre. União da vitória
não tem uma feira livre, e os moradores gostariam de ter essa feira. Os
moradores tinham que caminhar muito até uma feira e não tinham essa
possibilidade, por conta do contexto até, que era muito violento.
Eu penso que isso também é uma
forma de resgatar a autoestima dessas pessoas. Entender o contexto da
comunidade, como ela foi formada, você consegue resgatar nesse sentido, fazendo
com que as pessoas consigam correr atrás disso.
O quão
importante é criar essa necessidade nas pessoas de criarem as coisas por elas
mesmas?
Fernando: Como é uma
extensão universitária, esse é o ponto principal. É justamente desenvolver
trabalhos, mesmo que eu seja formado em música, eu tenha a capacidade de levar
trabalhos e que eles mesmos observando, de um modo que com o contato comigo e
com os colegas, eles consigam gerir a continuidade disso. Criando novos
projetos para a vida e para a comunidade. A pessoa que ainda vai ter filhos de
repente vai conseguir passar para eles a mentalidade de passar algo para se
fazer e não sempre a cobrança.
Como foi a atuação dentro da sua área (música)?
Fernando: Todo
participante do projeto acabou fazendo um pouco de tudo. Dentro da minha área,
por ser licenciatura... Nós conseguimos trabalhar auxiliando os professores
nessa formação, na Escola Municipal Zumbi dos Palmares, em uma creche e para os
professores tanto da creche quanto da escola municipal, nós conseguimos ofertar
cursos.
Levamos conscientização por
exemplo na área de música, acerca do uso da voz em sala da aula, que um grande
índice de perda de voz e qualidade vocal do professor é por conta do trabalho,
uma oficina que levasse ao professor consciência de melhores hábitos dentro e
fora da sala de aula, que ele consiga ter uma qualidade vocal compatível com o
ensino que ele quer passar.
Até um último projeto que está
sendo finalizado agora é o parque sonoro, que utilizamos materiais recicláveis
e dispensados, e elaboramos um espaço, como se fosse uma pequena praça, onde
estão instalados três brinquedos de percussão.
No inicio quando quisemos chamar
mais a atenção da população para o projeto, nós fizemos um “arrasto”.
Convidamos um grupo de maracatu que caminhou desde a parte alta até a parte
baixa do bairro, onde as meninas andaram cantando e dançando tocando percussão
no ritmo do maracatu.
Eu penso que o meu curso faz com
que você pense dentro da área de educação, tentar sentir da população que te
recebe, o que eles pensam que é necessário. Você não pode ignorar uma pessoa
que mora lá há vinte anos porque nosso modelo de cultura é X ou Y, não, é o que
eles querem, o que eles precisam, o que é necessário. E com esse contato,
percebe-se que eles possuem uma consciência muito grande do que é necessidade.
Eles não querem algo descartável mas sim coisas que ficam, como a feira.
O que você aprendeu com esse projeto?
Fernando: Se eu
for falar da minha experiência pessoal, o que mais aconteceu foi esse
aprendizado. O peso que tivemos ali é o peso de estar em um contexto diferente
do que você vive, você já aprende o tempo todo, pela observação mesmo, de forma
natural.
Como músico, por exemplo, você não
está entrando em um local onde as pessoas não conhecem música, elas não são
folhas em branco. Você está em um contexto onde musica é algo ativo ali dentro,
as pessoas sabem fazer musica, sabem tocar instrumentos musicais. É necessário
que você entre com essa abertura para aprender com eles.
Você tem alunos que tocam por
exemplo, pandeiro, que cantam muito bem.... Eu acho que o grande papel do
profissional é saber destacar essas potencialidades lá dentro e dar responsabilidade
para elas, trabalhar o conhecimento que eles já têm e aplicar conceitos para
que eles consigam trabalhar com eles fora da comunidade. E de uma forma geral
estar sempre pronto para aprender.
Sobre os benefícios a curto e em longo prazo do projeto
Fernando: Se
formos estabelecer esse projeto em curto prazo como o próprio prazo em que o
projeto se alicerçou, um ano, eu já penso que com certeza (houve benefícios).
Se formos pensar a médio e longo
prazo, também. Porque conseguimos mostrar para a comunidade que tem o que ser
feito. Tudo que fizemos não foi nada complexo, conseguimos doações de tinta,
materiais de construção, vários matérias, até descartados. A médio e longo
prazo para a comunidade fica esse ensinamento. Se você lança mão de buscar
materiais, sentar, pensar em coisas e tentar fazer algo com aquilo que você
tem, você chega em um ponto que você consegue.
E eu penso que dos trabalhos que
fizemos, o mais importante não foi apenas o resultado, mas a questão das
pessoas que estiveram ali conosco, batendo papo ali com a gente e nessas idéias
trocadas, todo mundo aprendendo. Chega um momento em que todo mundo ali é
aluno. A médio e longo prazo temos essa grande lição de vida: O ser humano
aprende em comunidade, em sociedade. E até pela vida corrida dessas pessoas, a
gente percebe que quando a pessoa está lançando mão de tempo para auxiliar
projeto, ela está realmente fazendo um esforço que muita gente não faz por
comodismo. Eu penso que a comunidade ensina muito isso.
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