Projeto da UEL trabalha em conjunto com assentamentos rurais

Projeto atua nos assentamentos Eli Vive e Iraci Salete desde 2013

“Muitas vezes a lei dificulta muito o pequeno agronegócio. Há uma legislação federal de 2015 do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) que regulamenta a agroindústria familiar. Até hoje, a ADAPAR (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná) não regularizou isso no Paraná. Provavelmente, porque não tem interesse que a agroindústria familiar se desenvolva no Paraná. O nosso Projeto está passando por muitas dificuldades pela falta dessa legislação”, diz a professora Ana Maria Bridi, coordenadora do projeto “Assistência Técnica em Produção e Sanidade Animal em Assentamentos Rurais”, da UEL (Universidade Estadual de Londrina). A Instrução Normativa MAPA N° 16 de 23/06/2015 institui medidas que normatizam a pequena agroindústria.

Crianças jogam bola no assentamento Eli Vive, localizado a 10 km
  de estrada de chão de Lerroville / Bruno Nomura
O projeto funciona no assentamento Iraci Salete, em Alvorada do Sul, e no Eli Vive, em Lerroville. Começou em 2013, no grupo PET (Programa de Educação Tutorial) de Zootecnia. O PET é um programa do Governo Federal que seleciona alunos de graduação para trabalhar com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Para Bridi, um projeto de extensão é “uma ação conjunta em que tanto a comunidade quanto a universidade se modificam”.

“Esse projeto só é possível por conta do apoio irrestrito da PROEX (Pró-reitoria de Extensão). Ela fornece, via prefeitura do campus, transporte. Em algumas visitas, vai só uma equipe com um carro, às vezes vamos de Kombi, e, quando necessário, de ônibus”, diz Bridi.

Os extensionistas iam semanalmente aos dois assentamentos, mas não havia muito a acrescentar em um espaço tão curto de tempo, diz a aluna e participante do projeto Ana Carolina de Figueiredo. “Agora nós vamos quando os moradores precisam de alguma orientação”, explica ela. Os estudantes e docentes também fazem trabalhos técnicos gratuitos nos assentamentos. “A professora (Ana Maria Bridi) não gosta do termo ‘assistência técnica’. Ela diz que é uma ‘troca de experiências’”, diz Figueiredo.

No projeto, professores e alunos da UEL, em conjunto com os assentados, trabalham na produção de ovos e frango, no Iraci Salete; e na produção de leite, no Eli Vive. “O Iraci Salete é um assentamento muito mais antigo e consolidado. As pessoas já estão realmente assentadas. Com casa, água, luz. No Eli Vive, não. É um assentamento muito recente. Tem quinhentas famílias assentadas, muitas ainda morando em barracas, sem acesso à água, à luz. São duas realidades completamente diferentes”, diz Bridi.

A coordenadora do projeto, Ana Maria Bridi, durante visita ao Iraci Salete / PROEX
Hoje, o projeto trabalha com 14 famílias no Iraci Salete e 23 no Eli Vive. Mas, diz Bridi, esse número varia de acordo com as atividades e o interesse dos moradores. O projeto começou com o grupo PET da Zootecnia. Participam, atualmente, a empresa júnior da Zootecnia, professores de Zootecnia, Agronomia, Veterinária, Biologia, o grupo PET da Geografia. “Queremos transformar os dois assentamentos em locais de atuação da UEL.”, diz Bridi, fazendo uma comparação com o Projeto Rondon, onde a universidade faz trabalhos de extensão em alguma comunidade durante um período. “Por que não pegar essas duas comunidades (Iraci Salete e Eli Vive) e trabalhar em várias frentes de ação? Mas a longo prazo, tentando mudar a realidade delas. Poderíamos atuar nas áreas da saúde, como medicina e odontologia; na área de engenharias, cuidando da sanidade dessas zonas rurais, ajudando em construções mais baratas e ecológicas; pessoal da geografia, trabalhando com reciclagem e lixo”, explica a professora. “Acreditamos que, se uma universidade não mudar a realidade de onde ela está inserida, não há motivo para ela existir”, completa Bridi.

IRACI SALETE
Iraci Salete Strozak fazia parte do setor de educação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Trabalhava para que a educação chegasse até as áreas de assentamentos rurais. Ela morreu em 1997, em um acidente de trânsito. O assentamento Iraci Salete foi nomeado em sua homenagem.

Segundo dados do EMATER (Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural) de 2011, o assentamento Iraci Salete tem uma área de 1068 hectares e abriga 60 famílias. Está localizado em Alvorada do Sul, a 60 km de Londrina.

Em 2015, o projeto coordenado por Bridi venceu o Prêmio Santander Universidade Solidária por ajudar 64 famílias no Iraci Salete. O prêmio foi de R$ 100 mil em barras de ouro e bolsas de estudo. Esse dinheiro foi destinado à construção de um mini-abatedouro no assentamento para “completar a cadeia da carne”, diz Bridi. “Hoje os moradores produzem o frango, mas essa produção para na comercialização. Todo produto de origem animal precisa ter uma certificação de higiene. Para isso, o frango precisa ser abatido dentro de instalações próprias conforme uma legislação”.

Encontro entre extensionistas e moradores do Iraci Salete / PROEX
Um dos entraves para a construção do mini-abatedouro é a burocracia. Segundo Figueiredo, a rigidez das normas é um dos problemas. “O governo não facilita para pequenos produtores. Existem várias exigências, como se fosse uma Big Frango (marca do grupo JBS, um dos maiores da indústria de alimentos mundial) e não um assentamento rural”.

Com a construção do mini-abatedouro, a intenção inicial é garantir a inclusão do Iraci Salete no Programa Nacional de Alimentação Escolar. O Programa prevê que 30% da merenda escolar seja adquirida de pequenos produtores rurais. Esta comercialização pode garantir um incremento de 30% na renda das famílias atendidas pelo projeto. Mas o intuito é vender também em mercados e expandir o negócio, diz Figueiredo.

A cada quinze dias, moradores do Iraci Salete vêm a UEL para vender produtos feitos no assentamento na Feirinha da Cidadania.

CARNE FRACA
A Operação Carne Fraca, que investiga um esquema de corrupção envolvendo fiscais e frigoríficos, pode ter impactos na venda da carne vinda dos assentamentos. Bridi diz que a UEL já desenvolveu trabalhos de pesquisa comparando a carne produzida no Iraci Salete com a carne de grandes frigoríficos. O resultado foi que as bactérias presentes na carne do assentamento (“porque bactérias estão presentes em todos os lugares”) não são resistentes a antibióticos, enquanto que as da carne de grandes indústrias têm resistência. Então, a carne de frango produzida no assentamento traz menos risco à saúde da população, segundo Bridi.

Criação de frangos de corte na propriedade de um assentado do Iraci Salete / Divulgação
O principal problema é a resistência sofrida pelo agronegócio familiar. A ADAPAR é uma das principais responsáveis, para Bridi, pelas dificuldades encontradas tanto pelo projeto como pelos moradores do assentamento. “Alegam que o pequeno produtor não tem condições de ter a mesma higiene que uma grande indústria. Eu diria que tem. Se tem como fiscalizar uma grande, é muito mais simples fiscalizar uma pequena”, diz a professora.

ELI VIVE
Eli Dallemole era um dos líderes do MST no Paraná. Ele foi assassinado em março de 2008, no Assentamento Libertação Camponesa, em Ortigueira (região central do estado). Os assentamentos Eli Vive I e II foram nomeados em sua homenagem. Eles abrangem uma área de 7,3 mil hectares das antigas fazendas Guairacá e Pininga, no distrito de Lerroville, a 64 km de Londrina. A área, antes posse de apenas uma família, hoje abriga quinhentas e uma.

As terras foram adquiridas pelo Governo Federal por R$ 78 milhões. Os assentamentos completaram três anos de existência em setembro de 2016.


“Fomos atrás do líder da comunidade, reunimos um grupo de interessados em produzir leite e apresentamos uma proposta de trabalho. E o mais importante, escutamos as necessidades que eles tinham. A partir disso, fizemos um planejamento em conjunto do que iria ser feito”, diz Bridi ao ser perguntada sobre os primeiros contatos com os moradores do Eli Vive.

O Eli Vive é um assentamento mais novo, se comparado ao Iraci Salete, e ainda em “processo de construção”, como diz Bridi. Ainda há pessoas na comunidade que nunca trabalharam com produção animal e que estão aprendendo com o Projeto.

“No projeto, nós vemos que não é só ter o melhor emprego do mundo, ganhar bem. Uma assistência técnica para pessoas mais carentes, como a que fazemos, pode ajudar muito. Também aprendemos muito. Eles podem não ter condições de pagar, mas têm uma experiência enorme para compartilhar”, diz Figueiredo.


No Eli Vive, o projeto da UEL trabalha com produção de leite / Bruno Nomura

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