Extensão, Ensino e Pesquisa: um olhar indissociável
Paloma Andressa Xavier de Paula, aluna de mestrado do curso de Serviço Social da UEL participou da disciplina "A Lógica Territorial na Gestão das Políticas Sociais" juntamente com a viagem ao Contestado promovida pelo professor Nilson Cesar Fraga. Após retornar à Londrina ela elaborou o texto que segue na íntegra sobre sua experiência na disciplina e na viagem.
"No primeiro dia de aula da disciplina de A Lógica Territorial na Gestão das Políticas Sociais do curso de pós-graduação da UEL, entrei na sala, um pouco apressada, esperando conhecer a professora Sandra, quando me deparei com uma figura masculina de olhos atentos e sorriso fácil. Fiquei um pouco confusa; logo meus colegas explicaram que se tratava de um professor da geografia e que Sandra e ele dividiram a disciplina. Tudo fez sentindo e digno de aplauso.
Foi, então, que percebi o motivo de o professor Nilson nunca ter desistido deste povo ou ter passado a estudar outra região, outro assunto. A esperança deles baseava-se em muitas coisas, mas Nilson era parte do alicerce do Contestado. Suas pesquisas, sua produção científica e seu conhecimento serviram para libertar a população de uma vergonha que não mereciam sentir. Ele trouxe a autoestima, mostrou o horror da guerra e a grandeza do caboclo. Ajudou-os a se levantarem. Não foi um currículo lattes vasto ou um salário razoável que fizeram Nilson persistir. Foi o reconhecimento do povo do Contestado. Foi a esperança deste povo. Um homem construído de livros, tão grande na universidade, fez-se doutor não pela tese que defendeu, mas por sentar-se com os humildes, com pessoas que, às vezes, não sabiam sequer falar corretamente e viver o mundo do outro.
Nilson: o doutor do Contestado
"No primeiro dia de aula da disciplina de A Lógica Territorial na Gestão das Políticas Sociais do curso de pós-graduação da UEL, entrei na sala, um pouco apressada, esperando conhecer a professora Sandra, quando me deparei com uma figura masculina de olhos atentos e sorriso fácil. Fiquei um pouco confusa; logo meus colegas explicaram que se tratava de um professor da geografia e que Sandra e ele dividiram a disciplina. Tudo fez sentindo e digno de aplauso.
Quando iniciou a aula, era
somente o professor serelepe que falava. E como falava! Não parava por um
segundo. Apresentou-se como professor Nilson e desculpou-se por estar doente –
dizia não estar apto para ministrar a aula. Mesmo assim, nos dispensou às 22
horas sem ter feito um intervalo! Seus braços estavam desenhados por indígenas
que havia visitado. E neste lance de horas nos lotou de informações sobre
território, sobre a guerra do Contestado, e nos assustou quando disse que
iríamos para aquela região pobre, com histórico pesadíssimo de guerra, em um
ônibus repleto de pessoas desconhecidas, e que andaríamos muito!
Primeiro, fiquei animada com a
viagem; depois, pesei todas as possibilidades e deu medo. Mesmo assim, decidi
ir. No decorrer das aulas, inevitavelmente, o professor Nilson nos falava do
Contestado. Às vezes, acho que ele não queria falar sobre isso, mas,
involuntariamente, falava da região, da guerra, da paisagem e do povo. Seus
olhos brilhavam. Sua paixão era visível. E eu, que há poucas semanas não sabia
nada sobre a história do Contestado, comecei a sentir o desejo de estar neste
lugar.
Com todos os contratempos
possíveis relacionados à greve dos caminheiros e o rearranjo da expedição, o
dia da viagem chegou. Apesar dos pequenos atrasos, do esquecimento da mala de
calcinhas de uma colega, do frio no ônibus durante a madrugada e do receio de
como seriam estes dias de campo, tudo acontecia com leveza e naturalidade. O
professor Nilson sempre sorrindo, dando as ordens com doçura, comandando com o
espírito caboclo que somente agora consigo perceber.
O primeiro dia de campo foi o
mais cansativo. Embora seja assistente social e percorrer pela zona rural de
Marilândia do Sul, nada se comparava com as paisagens de tirar o fôlego
misturado ao cansaço desta jornada. Era o primeiro dia de campo em toda minha
vida. E não poderia ter sido mais especial!
Não preciso dizer o quanto
foram encantadores os locais visitados. As comidas servidas. E a alegria de um
povo que não nos conhecia, mas conhecia nosso mestre e, por isso, éramos
tratados como talvez nunca tivéssemos sido antes: com genuína dignidade e amor.
Porém, dessa saga, o que me
chamou mais a atenção foi a relação do professor com o povo do Contestado. Em
todos os lugares a que fomos ele era esperado com ansiedade. Ele, por sua vez,
olhava nos olhos daquele povo sofrido e demonstrava profunda admiração. Sua
alma parecia estar em seu verdadeiro local. Nilson sobrevive na UEL, pois é no
Constatado que ele realmente vive!
Quando imaginaríamos que um
professor universitário, com título de doutor, prepararia uma sapecada com um
caboclo simples do campo? Comeria porco caipira em uma casinha de madeira na
Serra da Boa Esperança? Olharia encantado para a coreografia de criancinhas
representando o passado de guerra? Andaria orgulhoso com uma bandeira do
Contestado e um facão talhado na madeira no meio do barro de um lugar longe de
tudo?
O ápice da viagem foi a
recepção dos caboclos de Timbó Grande. Em uma cidade em que seu acesso nos
tornou a turma que mais consumiu Plasil em uma viagem de campo, nos deparamos
com um povo alegre, algumas vestidas a caráter, outras cantando em um palco
improvisado, uma senhora segurando a bandeira do Contestado e muita comida nos
esperando. Aquela gente veio para receber o professor, numa manhã de frio, e,
consequentemente, nós, alunos, desfrutamos deste calor humano. Mesmo convivendo
em um mundo de paredes de concreto, com pessoas que leem dezenas de páginas
semanalmente e com diversos títulos acadêmicos, nunca vivenciei tanta gentileza
como em Timbó Grande!
Foram tão cuidadosos que, além
da comida típica, prepararam bolos e salgadinhos para quem não se agradasse do
modo de se alimentar deles. A todo momento queriam nos servir, perguntavam se
estávamos bem e se podiam fazer algo para nos ajudar. Chamavam-nos para dançar.
Brincavam com a gente. A frieza do norte paranaense nos faz esquecer o quanto é
gostoso este tipo de relação social, e alguns estudantes se emocionaram a ponto
de chorar. Percebi que nós somos os homens simples do Paraná e eles os sofisticados
caboclos. Eles, sim, sabem como viver com felicidade e ternura. Nós
precisávamos aprender com eles!
Durante esses momentos pela
manhã de Timbó Grande, quando os caboclos falavam com a gente, logo enalteciam
o professor Nilson: “Nós devemos muito a ele”, “Você é aluna do Doutor?”; “Ele
sabe mais de nossa história do que nós mesmos”; “Ah, como eu gosto desse
professor!”. E sabíamos que eram sentimentos sinceros, pois prepararam cada
segundo para que fosse especial para nós, porque éramos da “turma da UEL que
veio com o professor”.
Foi, então, que percebi o motivo de o professor Nilson nunca ter desistido deste povo ou ter passado a estudar outra região, outro assunto. A esperança deles baseava-se em muitas coisas, mas Nilson era parte do alicerce do Contestado. Suas pesquisas, sua produção científica e seu conhecimento serviram para libertar a população de uma vergonha que não mereciam sentir. Ele trouxe a autoestima, mostrou o horror da guerra e a grandeza do caboclo. Ajudou-os a se levantarem. Não foi um currículo lattes vasto ou um salário razoável que fizeram Nilson persistir. Foi o reconhecimento do povo do Contestado. Foi a esperança deste povo. Um homem construído de livros, tão grande na universidade, fez-se doutor não pela tese que defendeu, mas por sentar-se com os humildes, com pessoas que, às vezes, não sabiam sequer falar corretamente e viver o mundo do outro.
No meio dessa loucura de
passar em um concurso bom, em ter um mestrado, em escrever artigos, em ser a
melhor no trabalho, reconheci na relação do Contestado com o professor Nilson
que se leva anos para colher os frutos dos nossos esforços, e que só
encontraremos isso na população que nos propomos a conhecer e por ela lutar. A
força para seguir adiante está nas pessoas que atendemos e buscamos conhecer.
Tenho certeza de que muitas vezes os superiores do professor Nilson não o
compreenderam e que, se dependesse de seus vínculos trabalhistas, poderia até
ter desistido de tudo. Mas no interior de Santa Catarina existe, pessoas que o
esperam ansiosas, que desejam conhecer mais de sua história e compartilhar
aquilo que descobrem. Lá, existe um povo que confiou num cidadão para ser seu
porta-voz, um professor entusiasmado que não sabe cantar músicas de ônibus e
que dá ordens para um grupo de adolescentes aleatórios em frente ao museu
pensando ser seus alunos.
Obrigada, professor Nilson,
por nos fazer enxergar onde realmente devemos nos focar! Muito mais do que
alguns créditos e uma compreensão de território, volto hoje da região do
Contestado sabendo olhar para o outro e aprender com ele que o mundo é a maior
universidade que existe e que é possível ser um jovem caboclo velho como você:
jovem em entusiasmo, ânimo e esperança. Velho de sabedoria e persistência!"
Marilândia do Sul, 02 de julho de 2018.
Paloma Andressa Xavier de Paula
Mestranda em Serviço Social e Política Social
da UEL
Assistente Social do CREAS de Marilândia do Sul
Amei conhecer vocês!!!Que lindo texto!!!
ResponderExcluirPaloma, boa noite! Que linda experiência coletiva vivida! Sua descrição do prof. Nilson é primorosa, cheguei a vê-lo, ainda que nunca o tenha acompanhado a região do Contestado!!! Também em seu texto vi as paisagens e as culturas!! Mas em verdade seu texto exalta aqueles a quem a ciência e a história podem dar voz: os camponeses esquecidos. Parabéns!!
ResponderExcluirBelo texto, conheci melhor o Nilson por ele.
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ResponderExcluirMagnífico. Merecido!!!
Contestado, Canudos, Pau de Colher, Quebra-Quilos... "O
ResponderExcluirsertão vai virar mar".
Parabéns pelo texto, Paloma.
Terminei esta leitura com lágrimas nos olhos, porque desde 2014 quando me transferi da Capital de São Paulo, minha terra natal, para Caçador SC, tenho aprendido sobre os acontecimentos trágicos do Contestado que além de ceifar a vida de milhares de brasileiros, deixaram uma marca de atraso e subdesenvolvimento que só recentemente o "Exército Encantado do Monge João Maria" retomou a luta para tirá-la. Sim retomou, porque encontrou reforços para travar novas batalhas para arrancar esta pecha da história e, dar condições de desenvolvimento e bem-estar para o povo que vive nesta região. A região metropolitana do Contestado engloba 45 municípios, na maioria, os mais pobres de Santa Catarina. Entre estes reforços de novos guerreiros, temos o Dr. Prof. Nilson Cesar que considero um dos principais comandantes e, também, o saudoso Mensageiro do Contestado, Vicente Telles, dois Mestres que abriram meus olhos para fatos que o Brasil ainda não viu, mas que aos poucos começa a ver através de relatos emocionados, como o da Mestranda Paloma Andressa Xavier de Paula, puro, verdadeiro e do qual sou testemunha, mesmo oriundo da terra dos Bandeirantes. Parabéns e obrigado Paloma. Edison Costa Porto - Caçador SC 17-julho-2018
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