Agência UEL
Realizar o atendimento odontológico e a entrega de produtos
de higiene, além de orientar sobre os cuidados com a saúde bucal
dos pacientes acamados. Estes são objetivos do projeto de
Extensão “Atenção Domiciliar: Higiene Bucal de Pacientes
Acamados Dependentes”, desenvolvido por professores e
estudantes do curso de Odontologia da UEL. Completando o seu
primeiro ano em 2023, a iniciativa também é parte de uma longa
história de atenção com as pessoas que possuem a mobilidade
reduzida, ou completamente comprometida, e dependem de
cuidados de higiene pessoal e alimentação, na cidade de Cambé,
Região Metropolitana de Londrina.
Os atendimentos são realizados nas casas dos pacientes, sempre
às tardes de sexta, por equipes de até três alunos liderados por
um dos quatro professores atuantes no projeto. O trabalho
envolve a escovação e uso de fio dental, além de procedimentos
mais importantes, como a limpeza e a raspagem da placa
bacteriana, conhecida como tártaro ou cálculo dental, caso
necessárias.
Alguns casos demandam mais atenção já que os pacientes
acamados, muitas vezes, possuem severo comprometimento da
fala, deixando de indicar incômodos e dores. No entanto,
superando as barreiras da comunicação, até procedimentos mais
importantes, como a exodontia ou extração dentária, já foram
realizados pelas equipes. Para garantir as visitas, os participantes
contam com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e
Sociedade (Proex), que coloca os servidores do transporte da UEL
à disposição mediante agendamento prévio.
Idealizador da iniciativa na universidade, o docente do
Departamento de Microbiologia da UEL Ricardo Sérgio Couto de
Almeida reconhece que há comprometimento de familiares e
cuidadores quanto à qualidade da escovação na maioria dos casos
atendidos. No entanto, destaca que é comum se deparar com
pequenas lesões na gengiva dos pacientes, que ganham um
aspecto avermelhado, sendo causadas em boa parte dos casos
pelo excesso de força usada na escovação. Neste sentido, os
atendimentos domiciliares são marcados pelo diálogo sobre os
hábitos de higiene mais adequados considerando as limitações
físicas e sociais dos moradores acamados
|
A moradora Isabel da Cruz Vieira e o professor Ricardo Almeida conversam sobre a
saúde bucal da filha, Josiane (Fotos: Vitor Struck/COM)
Ao mesmo tempo, as equipes realizam a entrega de kits de
higiene bucal – que contêm escovas de dentes macias, fio e creme
dental. Os materiais vêm de parcerias com empresas do ramo
apoiadoras do projeto. Além desta iniciativa, o professor Ricardo
Almeida é responsável pelo projeto “Um Novo Sorriso”, que
contribui para a reintegração social através do cuidado com a
saúde bucal de mulheres em situação de vulnerabilidade, e é
autor da coluna “Escovação” na Rádio UEL FM.
Também integram o projeto de extensão “Atenção Domiciliar:
Higiene Bucal de Pacientes Acamados Dependentes” a professora
Tânia Harumi e os professores Ademar Takahama e Wilson
Garbeline, todos do curso de Odontologia da UEL.
Atendimentos
Uma das famílias atendidas é a da dona de casa Isabel da Cruz
Vieira, moradora do Conjunto Habitacional Ulisses Guimarães,
zona Norte de Cambé. Ao lado da filha Josiane, 43, que foi
diagnosticada com Esclerose Múltipla ainda nos primeiros anos de
vida, diz ser muito grata ao trabalho desenvolvido na
universidade. Para receber a equipe, formada pelas estudantes
Brenda Magalhães e Karinna Luz, costuma preparar um café e um
delicioso bolo de chocolate, o que torna a consulta domiciliar um
momento muito agradável para a troca de experiências.
“A satisfação em realizar o atendimento é muito grande já que
dificilmente teríamos essa oportunidade, de atender essa
população na Clínica Odontológica Universitária (COU) e até
futuramente em um consultório”, concordam as estudantes,
atualmente no segundo ano de Odontologia
Equipe formada pelo professor Ricardo Almeida e as alunas Brenda Magalhães e Karina Luz
representam um grupo de quatro professores e cerca de 20 estudantes.
Na mesma tarde, a equipe realiza um novo atendimento, desta
vez na residência da dona de casa Josefa Aparecida da Silva Lima,
no Jardim Cidade Verde, em Cambé. No endereço, ela cuida do
marido, José, acamado desde 2016 após sofrer um grave acidente
de trânsito, aos 49 anos.
Ela conta que o marido trabalhava como operador de máquinas e
foi atropelado por um caminhão quando seguia de bicicleta para o
trabalho. Com o impacto, fraturou três costelas e sofreu um corte
na perna, registrando uma lesão ainda mais séria no crânio, o que
ocasionou a perda de parte significativa da massa encefálica. “Os
médicos não acreditaram que ele permaneceu vivo. Eu disse que
era Deus quem iria fazer a cirurgia dele com as mãos do médico”,
lembra a esposa
“Não posso parar”
Dentre os casos já atendidos, considera o professor Ricardo
Almeida, os dois citados na reportagem são bastante
representativos do papel dos familiares e cuidadores no
atendimento às pessoas acamadas. Entretanto, também
evidenciam que o poder público, a universidade e seus órgãos
suplementares devem sempre buscar formas criativas para fazer
o conhecimento produzido nos bancos universitários chegar a
quem mais precisa. “É um caso muito especial e mesmo nessa
condição é possível ver que existe muita vida ainda dentro dele”,
diz sobre o senhor José após saber que o paciente costuma ir às
lágrimas ao receber a visita do irmão.
Ele também apresenta à equipe da Agência UEL e destaca o
importante trabalho desenvolvido pela moradora Maria Inês
Madalosso Belanson, criadora da Organização Não
Governamental (ONG) “Acamados Mais Amados”. Para ele, dona
Maria Inês é um exemplo de força e fé cuja história de vida
merece ser destacada. Isso porque superou uma tragédia pessoal
e deu início a um trabalho voluntário, arrecadando fraldas
geriátricas, cadeiras de rodas, roupas e alimentos e realizando o
encaminhamento às pessoas acamadas e aos idosos em situação
de vulnerabilidade social e moradores de Cambé. Desde 2007, é
articuladora de uma série de atividades voltadas à promoção do
bem-estar de quem mais precisa.
Este capítulo da sua vida, conta a moradora, teve início em 2001
após o acidente automobilístico que mudaria para sempre a vida
da sua família. No acidente, perdeu o filho mais velho, Hugo, com
apenas 25 anos, e viu o marido, João Belanson, que ocupava o
mesmo veículo, sofrer graves ferimentos. Logo atrás, em outro
veículo, ela segurava a neta Poliana, de apenas 20 dias, em seu
colo. À época, o esposo tinha 45 anos e teve a morte cerebral
confirmada pela equipe médica poucos dias depois do acidente,
vivendo pelos próximos dez anos sob os cuidados da esposa.
“Uma noite eu estava com ele vendo todas aquelas pessoas
sofrerem. Já tinha ficado lá no Sarah (Kubitschek, Hospital), tinha
aprendido tanta coisa, porque lá é um curso”, lembra Maria Inês.
“Eu sou defensora do SUS pra caramba. Meu esposo teve cinco
cirurgias pelo SUS, todas as viagens pelo SUS. Foram dez anos,
não foram dez dias, por isso que eu luto pelas pessoas. Naquela
noite pensei ‘não deve ser só eu que ‘tô’ assim’. E cheguei à
conclusão que tinha mais pessoas acamadas em casa do que
nos hospitais”, lembra.
A ONG “Acamados Mais Amados” funciona no Centro Comunitário
do Jardim Tupi e, atualmente, atende cerca de 160 pessoas todos
os meses. Em 2019, recebeu moção honrosa da Câmara Municipal
de Cambé de reconhecimento pelo trabalho voluntário no
município.
Ao ser indagada sobre como encontrou forças, dona Maria Inês
destaca a fé em Deus. Entretanto, sem esquecer o quanto a vida é
amiga da arte, cita uma das mais belas canções da música popular
brasileira para explicar o que a fez não desistir. “Na verdade, o que
tinha em mim, é como diz a música “Força Estranha” (de Caetano
Veloso), porque nunca tomei remédios e não entrei em depressão,
minha família toda precisou de um tratamento psicológico, mas
eu me agarrei com Deus. Eu precisava suportar tudo aquilo por
conta do meu esposo porque alguém iria ter que cuidar dele, a
minha nora e a minha neta, com 20 dias. Se eu ficasse doente,
quem iria cuidar?
|
Seu José recebe os cuidados da esposa Josefa Aparecida da Silva e receb visita dos integrantes do projeto.
Comentários
Postar um comentário